Amigos

9 de dez. de 2010

A vida tem dessas coisas

 “Quando passei no vestibular, já tinha meus 20 anos de idade e sentia calafrios ao ver a entrada da universidade me chamando como um pai chama um filho que acabara de adotar. Com muita coragem penetrei àquela área tão supostamente conhecida que se tornava mais hostil a cada passo que dava, tranqüilizava-me o fato de ver tanta gente nova e perdida a fim de se mostrar capaz de dialogar com colegas de qualquer espécie. Tudo era como eu imaginava: surpreendente.
Em pouco tempo aprendi a ler e sair pra me divertir. A novidade era uma grande festa e a faculdade um precipício sem fim!
Um dia no restaurante universitário, um rapaz me chamou a atenção. Vestia certo sorriso confiante sobre um rosto cuidadosamente desenhado e cabelos pretos, ao lado de outro sujeito bastante vulgar com seus olhos azuis e nariz pontiagudo. Os dois conversavam como se fossem velhos amigos que há muito não se viam, aquele do nariz pontudo parecia desconfortável. Conversaram pouco e quando ameaçaram se levantar, me direcionei para a saída do restaurante com o intuito de forçar uma aproximação. Saímos nós três do lugar, o rapaz pareceu esnobar enquanto aquele outro vulgar fitou-me desconcertante, tropeçando no meio-fio. Esta carta começa aqui, sem a intenção de ser lida por alguém.
Durante as próximas três semanas o encontrei algumas vezes – certa vez até cruzamos os olhares – e, algumas vezes, também via o outro, sempre motivo de chacotas nas rodas masculinas, gozações que sempre se tornavam um pouco mais agressivas na presença de meninas (homens têm dessas coisas). Era tiro e queda: sempre que o rapaz desfilava seu desjeito com a dificuldade de um alpinista, fazia a diversão daqueles que rondavam pela lanchonete para tomar um café ou nem isso. Mas apesar dessa hostilidade, esse rapaz pareceu um tanto quanto popular entre algumas pessoas, principalmente as menos notadas do sexo feminino e isso deixava os garotos ainda mais dispostos a exibi-lo na sua esquisitice. Já com o outro, o tratamento era o oposto: cheios de gracejos, vivia cercado de amigos e era sempre o centro das atenções quando pegava no violão ou quando contava uma de suas piadas, fazendo sorrir até os mais taciturnos.
Ao passar essas semanas, finalmente conheci o famoso José Carlos e por um bom tempo não dormi direito. Era um feriado de 21 de abril e estávamos numa roda de violão quando ele chegou cumprimentando os amigos e acenando para os desconhecidos, como eu. Em pouco tempo descobri como é possível amar uma pessoa estranha a tudo que se pensa ser necessário para tal, ele continha tudo isso: vulgaridade, imaturidade, – mas não uma imaturidade encantadora como a das crianças, mas como aquela dos animais de zoológico – era também presunçoso e espantosamente bonito; daqueles que não vale uma carta, mas merece uma foto.
De qualquer forma, esta carta não é sobre isto. Esta não é uma carta de amor, nem sobre amor. Esta carta é simplesmente mais uma folha escrita para (passar) parar o tempo, pois isso é possível ser feito, é para isso que serve a saudade e a nostalgia, o retrato e textos como esse. A lembrança nada mais é que aquela porção de tempo guardada em um frasco qualquer no qual se tem um pleno acesso – de acordo com a capacidade mnemônica que cada um, claro – mas de grande risco, não aconselharia alguém a sair “abrindo” todo um passado; e por isso é importante não ser tão bom de memória. Mas como estava dizendo, esta carta tem o intuito de me convencer de que há uma parte considerável da vida que é dominada e traçada apenas pela sorte e por acaso, preciso me convencer disso!
A cada coisa que passa por mim, seja ela o que for, rola-se um dado para determinar toda a vasta gama de ações que posso pensar em fazer, e a partir daí a vida se renova a cada atitude que escolhi ou priorizei em vista de outra à qual não se pode ter acesso; essa - e apenas essa - atitude rejeitada se perde no tempo enquanto a escolhida entra no seleto grupo de ações passadas que se pode ter acesso.
Quanto ao Zeca, resolvi apenas esquecê-lo e depois disso ele veio me procurar algumas vezes, mas eu não conseguia fazer outra coisa, senão esnobá-lo. Aproximei-me do outro garoto, o estranho Moacir. Era um sujeito curioso e feliz, uma felicidade que de certo escondia alguma dor que dificilmente se consegue ocultar de outra forma. Nada simpático e por isso confiava nele, às vezes, a simpatia transparece falsidade e quando se percebe isso fica difícil ser ou conviver com pessoas simplesmente simpáticas. Tinha muitas qualidades e isso me atraiu nele, apesar da sua declarada esquisitice.
Num show grande de faculdade é muito mais fácil se apaixonar, e esse dia ainda guardo num frasco especial, enfeitado com meus melhores lenços de lágrimas. Na verdade eu nem conhecia a banda que tocaria nesse dia, mas diziam que seria um grande show. No momento em que fitei Moacir rapidamente senti um arrepio leve, foi quando – acredito – me apaixonei, o amor é muito mais interessante quando chega em poucos segundos e corrói sua inteligência deliciosamente. Nesse dia eu amei Moacir, e depois desse dia nunca mais o vi. Moacir havia se transferido para outra faculdade na capital alguns dias depois, e eu fiquei por aqui mesmo, estou aqui até hoje, apesar de ter me sentido como se não estivesse nos primeiros dias. A vida tem dessas coisas...”


Esta é uma carta que encontrei agora, meio rasgada, mas reescrevi para guardá-la, assim mesmo sem autoria, sem remetente e sem data. Procurei reconstruir algumas palavras que se perderam tentando manter o máximo de coesão. Imagino que a autora teria concordado com a idéia.

Guilherme Fontoura.

O beijo e o asco

"Quando a morte o beijar,
o mesmo beijo piedoso de Judas,
brindarás à eterna desventura!
Te trará jovem para uma forma,
- branco e jovem como nunca o fora -
pousará teu retrato nas cortinas
sendo sempre visto
com os olhos perenes que temos.
Quanto a ti, me alivia dizer,
viverás até que o mundo definhe!
Serás companhia para as pedras,
só por não poder ver,
e depois,
ainda viverá!"


Guilherme Fontoura.

7 de dez. de 2010

Os Dias

Moisés um dia fugiu de casa.
Era um mês difícil, talvez um ano inteiro. Faltavam dois semestres para terminar a faculdade, mais precisamente 520 dias. Estava vivendo uma fase de “inhaca”, como dizem por aqui, há mais de três meses e não sabia se queria se mandar de vez da universidade - ou até da cidade - ou se sentar e tomar um café com rosquinhas da mãe.
Acordava cedo para esperar o momento de preparação para enfrentar a biblioteca e a sala de aula, que ia das 10 às 13 horas, e esperava muito feliz, como se fosse o melhor momento do dia - e muitas vezes, realmente era - onde ele não fazia nada e demorava a cogitar pensar em algo, até porque depois disso seu dia estava arruinado: ele alternava horas de estudos mal feitos e momentos em que saía da sala torcendo para encontrar algum conhecido para chamar de amigo e fugir dos livros e professores carrancudos. Não era de muitos amigos, e os poucos que tinham não faziam muito o “tipo” dele. Moisés gostava de xadrez e não costumava sair para festas, apesar de apreciar uma boa dose de vinho ou de Martini. Na faculdade não costumava conversar com ninguém, exceto alguns funcionários da biblioteca e da lanchonete, mas de resto preferia ficar sozinho a ter que lutar em mais um diálogo que mais parecia uma batalha de egos e saberes. Tinha na cabeça que só encontraria amigos de verdade longe da faculdade, sem a obrigação da convivência acadêmica ou com a falsidade alheia para evitar certos problemas, era muita diplomacia e Moisés nunca se interessou por política.
Ontem, pego por uma agonia de madrugada, saiu para comer alguma coisa sozinho, num bar que ficava perto de casa. No bar não tinha nenhum conhecido e por isso ficou e pediu uma dose de cachaça para ver se chega o sono e deixa de escrever devaneios e cartas românticas para si mesmo, isso o deixou mais calmo. Voltou para casa pronto para agüentar mais um ano, se preciso fosse, naquele lugar (que nem eu, nem ele saberíamos dizer se seria a faculdade ou a própria casa), dormiu como se fosse uma criança exausta, sem pensar no que teria que fazer no dia seguinte.
Faz seis horas que Moisés fugiu de casa e sua voz ainda ecoa nas paredes do seu quarto, seu guarda roupa ainda guarda suas vestes e algumas outras coisas que ele sempre escondia com muito cuidado em algumas gavetas, debaixo das bermudas. Há alguns meses atrás - estou quase certo - ele começou a juntar dinheiro para alguma coisa, imaginei que pretendesse viajar ou comprar um novo vídeo-game, por isso não esperava a fuga. Não saberia dizer se Moisés era realmente infeliz ou se queria o mundo quando não possuía consciência nem de si mesmo, mas acredito que não seja nada disso, talvez seja apenas a idade, nessa época todos têm que fugir de alguma coisa.
Moisés fugiu de casa e levou apenas a roupa do corpo e um guarda-chuva.


Guilherme Fontoura.

3 de dez. de 2010

O Cão do Subjetivismo

Do meu lado há uma maçã comida
eu canto alto para o mundo
e o mundo? nada...
quem você pensa que é?

Guilherme Fontoura.

1 de dez. de 2010

Criação

Deus fez os homens
de pau e cera,
como lhe convém
O mundo, fixou numa esteira
- equilibrou e tirou a mão


Deu no que deu,
no que Deus nos deu:
pau e cera


Guilherme Fontoura.

Ficções

Eu fitava sem receio de longe
você aquém 
como numa mesa de bar
trocávamos até os olhares
sorriam até para mim
despertei por tua pressa dormi
por tua causa.


Guilherme Fontoura.

17 de nov. de 2010

Tchau, amigo!

Boa vida, possíveis leitores (não desejo dia, tarde ou noite por não saber quando lerão)

Hoje vou postar um texto não poema que tive vontade de escrever, então tenham paciência comigo.

{

Tchau, amigo

Há momentos na vida de nós meninos que nos convencemos de que estamos de fato deixando de ser meninos e nos tornando homens. Eu me lembro de alguns desses momentos em que me senti o mais maduro e corajoso de todos os vikings, e hoje pela manhã um deles me veio em mente. Foi a primeira vez que descasquei uma laranja: eu havia ganhado um canivete suiço de aniversário (coisa de moleque, quem entende?). Aquela apreensão de fazer uma tarefa tão simples na qual eu havia me aventurado poucas vezes e, nessas poucas vezes, sempre falhara... Mas sim! Decidi que descascaria aquela fruta que me desafiava, afinal o que seria de um homem que já possuía sua espada e não tinha coragem de abater o terrível dragão?

Claro, a vida não é tão emocionante assim, eu só não queria descascar porque eu sempre feria aquela parte branca, e quando ia comer a laranja ficava escorrendo caldo, mas o primeiro descascar de uma laranja é um fato que eu considerava de extrema importância. E foi.

Quando tirei a última porção de casca, e não havia uma ferida sequer na fruta, a sensação que tive foi de independência. O céu era meu limite. Se eu conseguia descascar uma laranja o que eu não poderia fazer?

Outro momento memorável foi quando aprendi a assoviar (ou assobiar, foda-se) daquele jeito que fica bem alto, quando se usa os dedos. Como alguém pode ter uma infância e não aprender a assoviar alto?

O bom (ou ruim) é que uma hora a gente cresce. Cresce descascando laranjas e assoviando feito bobos.

Acho que eu fui um menino meio bobo, brincando até quando tinha graça, até quando me foi permitido ver graça das tardes quentes e preguiçosas da minha cidade pacata do interior. Mas teve bom!


}



15 de nov. de 2010

De Quando em Quando

De quando em quando penso em ti
Sem a menor vergonha
Sem o menor pudor
Para sentir o passo
Sem sentir dor
Sem compasso


É sempre meu embaraço 
Abrir teus lábios
No melhor momento
Vilões do meu segundo
De quando em quando
Se esvaem com o vento 


Por causa de ti
Procuro o vento


Guilherme Fontoura.

10 de nov. de 2010

Para a sorte do acaso

Você não vai fazer uma música
Você quer a dor do mundo
Pede como um mico de zoológico
Ajoelhado como se fosse comum


Ao menos uma escadaria falasse
Te diria com pena, antevisto
"Desgraça mesmo sem classe,
ninguém vai te pegar para cristo!"


Guilherme Fontoura.

6 de nov. de 2010

Molhado

Molhado

E devagar a vida cai, com medo de ter medo.
calado por medo de ninguém me ouvir,
fechando os olhos por medo de cegar,
abrindo mão por medo de perder.

Mas não quero deixar de colher a rosa
por medo do espinho me ferir,
as feridas passadas vou deixar para trás.

Então vou tentar continuar gostando,
mesmo com medo de amar.

Por causa desse medo te gosto ainda mais.

29 de out. de 2010

Moda

Os óculos para disfarçar os olhos
as luvas para esconder as mãos
as meias para não pisar no chão

Roupas para o chão
máscaras e afins
já saíram de moda

Guilherme Fontoura.

26 de out. de 2010

Barraco de sapê novo

Achava que tudo era ironia
destino, passado, humor
sempre que o mundo jazia
a cacos sujos, o amor


Guilherme Fontoura.

22 de out. de 2010

Serafins

O cansaço foi você quem fez
e me embrulhou pra presente
- amarrou o papel com teu cabelo -
estranho brilho na tua lente


caiu em desgosto
ao ver meu rosto




Guilherme Fontoura.

21 de out. de 2010

Saudade

Nem sabe o quanto penso em ti
na falta de maior inspiração
a ciranda linda que não aboli
sem saber que girava em vão 


volta na maré que me afogou
mas volta tarde e forte
pra quando querer saber quem sou
novamente lamentar a minha sorte


peço-te sem jeito, por amor
sem posse de nada mais sério
tua sombra é meu critério
teu passado é meu calor


Guilherme Fontoura.

8 de out. de 2010

Inspiração

Se soubesse pensar com jeito
só assim falaria de ti
inventaria um grande defeito
e mostrava o erro que cometi


Guilherme Fontoura.

5 de out. de 2010

Mãe, mulher, maldita e maria

Zé do Côco no quarto com a mulher Maria
se atracando na velha cama meio manca
barulho de fora para fazer manha, Maria
levanta Zé com as duas mãos molhadas


Os moleques se vão com medo à Maria, mãe
Na barra da saia vêem a ave mover mansa
quando se espanta para longe se mostrando maior
pousa no homem parado à porta: Mestre Manoel


Com a face pálida se vê maldita, Maria
Zé esbravejando, o encara com mão morteira
Entra na casa e toma a mulher moribunda
Leva pra fora com murros mal-dados


Zé corre atrás de Manoel, minúsculo
Entra os três pr'onde o mato é maior
O mestre parado reclama Maria maldita
Zé do Côco declara guerra: "Agora é minha mulher!"


Antes do ataque e está morta, Maria
Pela faca daquele velho mestre mortal
Aos prantos, Zé do Côco melindroso, o mata
Se prendendo diante do morro maçante


A ave voou e moveu montanhas. 




Guilherme Fontoura.

2 de out. de 2010

Aquele das tulipas

Aquele das tulipas


Sabe aqueles sonhos
que você sonha que cai?

Um susto, uma fração de segundo,
parece que sua alma se perde por um momento,
aquele frio na espinha, que te desperta de sopetão
se bem me lembro...

É mais ou menos assim toda vez que te vejo.

O voo

O voo


Eu sei que já quebrei minhas asas,
eu sei que que isso tudo vai dar em dor,
mas esse instinto de autodestruição
faz parte de mim, do meu ser.

Vou continuar com esse rasante,
rasgando a mim mesmo, maldito seja o céu...
vou me apegando às ilusões que crio, de conforto,
e às pétalas que arranco das flores que me deste
repetindo infinitamente somente que bem me queres
mesmo sabendo que vou de encontro ao chão.

mas mesmo sabendo isso tudo, estou feliz.
posso fingir que, ao menos no percurso
estou indo em direção ao oceano mais lindo e mais azul,
e acreditar que tudo vai dar certo.

sinto cheiro de flores nesse voo.

Olá

A partir de hoje tentarei ser colaborador do blog do meu amigo, Guilherme.

Mas que falta de educação a minha, não? Nem me apresentei aos possíveis leitores. Meu nome é Vítor, e acho interessante escrever um pouco a meu respeito aqui.

Tenho 19 anos, sou do sígno de touro (apesar de não acreditar em nada de astrologia ou ter qualquer superstição), sou de Ituiutaba mas moro em Uberlândia há quase um ano. Tentei fazer Jornalismo, mas abandonei o curso e agora estudo Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Uberlândia (sim, eu sei que não tem nada a ver, mas foda-se). Guilherme e eu somos guitarristas da nossa banda, a Café com Granada!

Provavelmente vão perceber em meus textos que sou romântico (no bom sentido, é claro), otimista, pessimista, contraditório, egocêntrico e otras cositas más. Enfim, nos próximos posts verão alguns textos meus. Boa sorte.

Vítor de Castro

Bom, agora o Cotidiano Café conta com mais um integrante!
Vítor de Castro, grande amigo que vai começar a se aventurar nesse mundo também, já li alguns textos e confesso que gostei muito! Espero que gostem também!

30 de set. de 2010

Que Tudo é Assim

Que agora, na multidão de olhares
cegos envoltos por minhas cinzas,
com teus olhos cerrados assinas
o pedido, me lançando aos ares


meu foco procura tua retina
qualquer rastro de nostalgia
que isso já me foi alegria
agora é só saudade




Guilherme Fontoura.

29 de set. de 2010

Para viver bem

Todo mundo sem inspiração
resta tesar o arco na flecha
acusar de conspiração
a porta do mundo que se fecha


Guilherme Fontoura.

15 de set. de 2010

Minuano

Cego tocando piano em terreiro
de onde os crentes vão saindo
param com certo cheiro de cinzeiro...
... apaga o cigarro e acende o cachimbo




Guilherme Fontoura.

2 de set. de 2010

À Deus

Deitado na cama quente, descrente
apoiando a face no travesseiro
coçando a barba sem um fio de cor
olhando o quarto sem sombra de gente


24 horas para respirar
já lhe trocaram o relógio sem corda
ele, sorri olhando para o porta
crítico, cético, começa a tear 


receia sentir tamanho conforto
pensa carinhoso no vizinho chato
pensa na vida como um sapato
coisa ruim é se ver morto


a porta se abre num fino divisor
quando a luz gera estranho apetite
sua vista força para que acredite
um delírio, uma visão, um senhor.




Guilherme Fontoura.

30 de ago. de 2010

Quando a noite aparecer

E agora sou eu que me encontro aqui, assim
com essa voz oca e espírito fraco
minha alma quer se mudar agora de mim
e espera para saber onde atraco


Chegar, te furtar para o meu barraco
com um laço forte de linho ou de cetim
amarrar teu lindo sorriso mulato
fazer de ti meu delicioso alecrim


colar com força e vontade
arranhar-te a garganta
com um forte colar de saudade


quando muito me espanta
tais rodeios para dizer,
ancioso até teu alvorecer.




Guilherme Fontoura.

24 de ago. de 2010

Em Minha Defesa ou Epifania

De tudo que não fiz
queria gritar o mais débil
fazer do som uma matriz
soltar minha velha alma estéril


Perpassar de encontro ao tempo
todo movimento do retrato
que esse modo de andar lento
retira, às pressas, meu fino extrato


Transparecer todo o meu corpo
para não mais parar de sonhar
manter esse rubro coração absorto
em devaneios líricos a galopar


Pretendo a ascenção de tocar o sagrado
pois de respeitável só há o excesso
fui pego sobrevoando em papel alado
me pego pensando, e cesso.


Guilherme Fontoura.

19 de ago. de 2010

O Velho Itinerante

Um chá para amenizar essa dor de espírito
porque não consigo ser tão fechado contigo
sei que isso tudo já era pra estar escrito
e um chá para celebrar o caminho que sigo


O caminho dessa grande estrela castanha
que guarda a inscrição da minha alma
e quando brilha, essa cor estranha
no meu peito sinto a velha dor do trauma


O vício que me faz sempre começar do zero
me faz pedir quase de joelhos para voltar
para sentir o que me faz sentir nada sério
leve, para querer entrar nesse jogo de azar


Guilherme Fontoura.

8 de ago. de 2010

Basta

Se morrer que seja por excesso
Que vale muito mais um verso
Que arrependimento retrocesso
verso contrário, ao inverso


Guilherme Fontoura.

29 de jul. de 2010

Homenagem à Você

Agora entendo
aquelas palavras
para lavar a alma
como um lamento


Hoje, já aceito
que certas frases
servem como crase:
sei o que é perfeito


Guilherme Fontoura.

22 de jul. de 2010

Dança de roda e canção

Mas então - que engraçado


falas em dor no coração


mas não carrega teu próprio fado
 
 
Guilherme Fontoura.

12 de jul. de 2010

Do Sublime

Do sentimento 
mais superficial
mais infantil
carnal, egoísta
narcisista
e até áspero


Daí nasce o amor




Guilherme Fontoura

9 de jul. de 2010

Jantar a Dois

Ela se prepara para o jantar - prato, forro e jarro de suco à mesa de madeira no meio da cozinha. No fogão, panela morna de sopa. Ficara o dia todo em casa e se sentia cansada de olhar para estantes vazias e a cama cuidadosamente arrumada. No rádio, a música doía. O corpo doía. A cabeça doía. Passado e futuro doíam. O rosto vulgar inflamado pela densidade do ar (até difícil de sentir) exalava indiferença - além de um cheiro de café e cigarro.
A TV ainda estava ligada - acabara de começar o jornal – e ela nem se importou, enquanto se ouvia gritos e risos de criança e sons de lata que pareciam fazê-las felizes. Todos estavam felizes, de uma forma ou de outra; a moça do lado praguejava e amaldiçoava tudo que construíra para sua vida, mas agora estava feliz; o senhor discreto sentado na porta de sua casa lendo um calhamaço com páginas amareladas, deixava transparecer a euforia de ter sido compreendido, e até arriscava sorrir sozinho.
Mas ela servia seu prato e se senta à mesa, a cozinha estava à meia luz, graças a um abajur velho e sem cor que piscava tirando-lhe a atenção (as velas não se acendiam lá), poderia apagar a qualquer momento. E ela gostava desse risco, esse abajur imitava a vida, era talvez uma representação de que até o que não precisa de pilha acaba: sem razão, sem justiça, como se tivesse feito o seu “papel” (acender e apagar). E como tudo na vida, ele se apagou de repente, demente.
Pensando na morte, resolveu jantar às escuras. Um jantar romântico. Imaginava jantando a dois, seu peito inchava de ar, mas algo lá dentro veio ao jantar, ela o estava esperando. Sentou-se à mesa e emprestou sua chama às velas. O ar ficara terno e brando como ela nunca havia experimentado, e ela soltara um sorriso que pareceu tornar toda a cidade mais bela.
Ela se apaixonara por esta coisa que lhe saíra, e já não era mais só naquela mesa, naquela vida.


Guilherme Fontoura.

Do Marasmo

Se teus olhos fossem reais
Seriam as estrelas
num universo às avessas
no qual eu poderia conhecer


Desejo tanto
a menor noite,
num reflexo só
olhando suas estrelas


Me afogando nesse jogo
e não poder voltar
me consumir aos poucos
até morrer de amor


Guilherme Fontoura.

8 de jul. de 2010

Pranto Manso

Que me mate essa dor
pois já não me quero mais
como meu senhor
preciso de seu cais


que eu morra de vez
(sei que faço cena)
mas foi dessa dor de cabeça
que nasceu Atena


Guilherme Fontoura.

6 de jul. de 2010

Mil Noites

Que cada dia agora
apenas parece ser
menos um
numa chuva nebulosa


Que venham todos, pois
preciso de um balão
para atracar em seu cais incerto
flutua ou paira no ar?


Guilherme Fontoura.

4 de jul. de 2010

Corpo Mole

Você que antes
me tirava a fome
e me adormecia
como uma música


Agora me ponho em greve
por não te ter aqui
em greve de fome
greve de ti


Guilherme Fontoura.

3 de jul. de 2010

O Inverno

Pensar dói
Música dói
Falar dói
Verdade dói
Mentira...dói
A mente dói
O corpo dói
Coração dói
Viver dói
Morrer dói?


Guilherme Fontoura.

30 de jun. de 2010

O Velho do Bar

"Entre, meu jovem
assim é a vida de quem anda
não para pra descansar
não tarda em acabar...
Mas a vida nunca falha
e sempre dá chances,
dorme e acorda, rapaz,
ela não desiste de ti.
Não há falta de vida aqui
nem na peste, nem na morte
a vida sempre teve um fim
mas nunca foi golpe de sorte"


Guilherme Fontoura.

29 de jun. de 2010

Quando o ano que vem chegar

Abre os olhos pra gente
que quero mudar a canção
essa gente ta diferente
e já não desperta emoção


A gente não tem medo de nada
Só de caras e bocas belas
não queremos ver só fadas
queremos pular as janelas


Vamos é com a corrente
até não poder resistir
ninguém abre o olho pra gente
ninguém abre o olho pra mim


Guilherme Fontoura.

25 de jun. de 2010

Jardim do Tempo

Não me venha de novo
com essa história certa
que me cai como uma luva
não venha não me pedir ajuda


Será que há de ser assim
Eu ou você esquecendo
coisa um no outro
como relógio solto


Pois é, e eu que achei
que estava entrando num jardim
e só sentia os perfumes
agora senti os espinhos


Guilherme Fontoura.

23 de jun. de 2010

Lilith

Vai saber
se seus olhos
não viram nos meus
essa espécie de espelho


Espero que nem seja isso
preferiria que encantasse
a marca do passado
que um visto, um feitiço


Por isso
fique ao meu lado
que no final de tudo
amor não será renegado


Guilherme Fontoura.

22 de jun. de 2010

E mais uma vez estou no chão
talvez ele próprio me conheça bem
melhor que eu mesmo
porque sempre que tento
me levantar para andar
dois ou três passos fáceis
e cá estou de novo
onde não deveria ter saído
mas to aprendendo aos poucos
enquanto isso
vou me levantar de novo?


Guilherme Fontoura.

21 de jun. de 2010

Remorso

Mais um trago forçado
desse amor barato
esse copo sujo
de asco morno


meu desprezo sufoca 
minha vontade de sair
pra fora da mente
e me perder por aí


eu só queria dividir
essa ressaca com
todo mundo que não sente 
essa dose que me crava o dente


Guilherme Fontoura.

18 de jun. de 2010

Do Eterno

Aquele pássaro que voou
para trazer boas novas,
infelizmente voltou,
mas agora é tarde
e as velhas boas novas,
até elas,
voltaram a se encharcar
da mesma água suja do dilúvio


Guilherme Fontoura.

16 de jun. de 2010

14 de jun. de 2010

13 de jun. de 2010

Retórica

Vamos!
Dá-me forças para continuar
ou ao menos descobrir
afinal, com quem estou falando...


Guilherme Fontoura.

12 de jun. de 2010

Intrínseco

O Corpo escraviza
a Mente é um itinerário
com roteiro incerto


Do Corpo, gosto muito
por me causar várias dores
por me causar amores


Mas vicia minha Mente
que por bem, nunca mente
e a verdade machuca


A cabeça 
não pensa sozinha,
assim como a pele
não é mais a mesma
que eu tinha


O que devo fazer?
Viver para o prazer
ou ter o prazer de viver?


Guilherme Fontoura.

10 de jun. de 2010

Cinema Mudo

Talvez não exista
realmente o dito sábio
mesmo que insista
quem sabe, isso seja errado


Talvez sejamos mesmo
como cinema mudo
e não se pode dizer
o que já esteja legendado


Guilherme Fontoura.

9 de jun. de 2010

Da Parte Murcha do Amor

O amor até parece ser
como uma flor capturada,
por mais que se cuide
nunca tarda em murchar


Sempre que se colhe
linda e perfumada
não adianta que se regue
num vaso ou coisa qualquer


O tempo passa
as pétalas secam
e pesam no talo fraco
até que murcha em tom fosco


Se enganam nisso
que amor é flor,
amor é doído
assim como tudo que é bom
quando sente dor


amor é isso




Guilherme Fontoura.

8 de jun. de 2010

Da Vulgaridade

Tô farto de vocês
e em todo lado tem
quem queira alguém
sem nenhuma lucidez


Superficialmente são
e goza de embriaguez.
Bem aventurados são
os que falam javanês


Guilherme Fontoura.

20 de mai. de 2010

Velhos anseios

Os verdadeiros rebeldes
ainda sugam nossa vida
para manter o controle
e nos fazer crescer


E eu nem queria crescer
só queria sentar no chão
sem precisar abrir mão
ou pedir licença


Não faço revolução
nem quero lutar pelo que quero
pois o que quero
não é lutar, só querer.


Guilherme Fontoura.

19 de mai. de 2010

Discurso Heroico

Pago com a liberdade
Para ser o que quero
E faço com sinceridade
até ir-me ao chão


Valerá a pena admitir
que no fim de tudo
eu sei que vou ruir


só para ser
meu próprio herói
e não meu próprio pai




Guilherme Fontoura.

16 de mai. de 2010

Os Gumes

Se eu te dissesse

poemas sem preço
frases do avesso
com muito apreço

me mandaria embora
com a frase sonora?

ou sentiria verdade
nessa vil dubiedade? 


Guilherme Fontoura.

15 de mai. de 2010

Samba de independência

Cansei de precisar de você
para matar minha sede.
Preciso me sedar,
como preciso me saciar


Quero jogar ao vento
Todo o meu sofrimento
Mas sempre que tento
me escapar e correr


Acabo me esbarrando em você
Que sempre me impede
me pede e me derrete
pra que eu não possa ir


Mas cansei de não fugir
de todos aqui
preciso construir
um lugar só de mim


Guilherme Fontoura.

13 de mai. de 2010

Nota de rodapé

Aprendi a mostrar o que sou
a me expor não para todos
mas para quem quiser
ouvir sobre o que me restou


A cada dia que passa
um novo sentimento me abraça
e engrossa a carapaça
a cada vestígio que esfumaça




Guilherme Fontoura.