Amigos

7 de dez. de 2010

Os Dias

Moisés um dia fugiu de casa.
Era um mês difícil, talvez um ano inteiro. Faltavam dois semestres para terminar a faculdade, mais precisamente 520 dias. Estava vivendo uma fase de “inhaca”, como dizem por aqui, há mais de três meses e não sabia se queria se mandar de vez da universidade - ou até da cidade - ou se sentar e tomar um café com rosquinhas da mãe.
Acordava cedo para esperar o momento de preparação para enfrentar a biblioteca e a sala de aula, que ia das 10 às 13 horas, e esperava muito feliz, como se fosse o melhor momento do dia - e muitas vezes, realmente era - onde ele não fazia nada e demorava a cogitar pensar em algo, até porque depois disso seu dia estava arruinado: ele alternava horas de estudos mal feitos e momentos em que saía da sala torcendo para encontrar algum conhecido para chamar de amigo e fugir dos livros e professores carrancudos. Não era de muitos amigos, e os poucos que tinham não faziam muito o “tipo” dele. Moisés gostava de xadrez e não costumava sair para festas, apesar de apreciar uma boa dose de vinho ou de Martini. Na faculdade não costumava conversar com ninguém, exceto alguns funcionários da biblioteca e da lanchonete, mas de resto preferia ficar sozinho a ter que lutar em mais um diálogo que mais parecia uma batalha de egos e saberes. Tinha na cabeça que só encontraria amigos de verdade longe da faculdade, sem a obrigação da convivência acadêmica ou com a falsidade alheia para evitar certos problemas, era muita diplomacia e Moisés nunca se interessou por política.
Ontem, pego por uma agonia de madrugada, saiu para comer alguma coisa sozinho, num bar que ficava perto de casa. No bar não tinha nenhum conhecido e por isso ficou e pediu uma dose de cachaça para ver se chega o sono e deixa de escrever devaneios e cartas românticas para si mesmo, isso o deixou mais calmo. Voltou para casa pronto para agüentar mais um ano, se preciso fosse, naquele lugar (que nem eu, nem ele saberíamos dizer se seria a faculdade ou a própria casa), dormiu como se fosse uma criança exausta, sem pensar no que teria que fazer no dia seguinte.
Faz seis horas que Moisés fugiu de casa e sua voz ainda ecoa nas paredes do seu quarto, seu guarda roupa ainda guarda suas vestes e algumas outras coisas que ele sempre escondia com muito cuidado em algumas gavetas, debaixo das bermudas. Há alguns meses atrás - estou quase certo - ele começou a juntar dinheiro para alguma coisa, imaginei que pretendesse viajar ou comprar um novo vídeo-game, por isso não esperava a fuga. Não saberia dizer se Moisés era realmente infeliz ou se queria o mundo quando não possuía consciência nem de si mesmo, mas acredito que não seja nada disso, talvez seja apenas a idade, nessa época todos têm que fugir de alguma coisa.
Moisés fugiu de casa e levou apenas a roupa do corpo e um guarda-chuva.


Guilherme Fontoura.

2 comentários:

  1. Muito legal esse texto Merme, muito mesmo! Acho que esse eu entendi 100%... Você está cada dia melhor e explorando mais esse caminho da escrita... Beijooos

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