Amigos

9 de jul. de 2010

Jantar a Dois

Ela se prepara para o jantar - prato, forro e jarro de suco à mesa de madeira no meio da cozinha. No fogão, panela morna de sopa. Ficara o dia todo em casa e se sentia cansada de olhar para estantes vazias e a cama cuidadosamente arrumada. No rádio, a música doía. O corpo doía. A cabeça doía. Passado e futuro doíam. O rosto vulgar inflamado pela densidade do ar (até difícil de sentir) exalava indiferença - além de um cheiro de café e cigarro.
A TV ainda estava ligada - acabara de começar o jornal – e ela nem se importou, enquanto se ouvia gritos e risos de criança e sons de lata que pareciam fazê-las felizes. Todos estavam felizes, de uma forma ou de outra; a moça do lado praguejava e amaldiçoava tudo que construíra para sua vida, mas agora estava feliz; o senhor discreto sentado na porta de sua casa lendo um calhamaço com páginas amareladas, deixava transparecer a euforia de ter sido compreendido, e até arriscava sorrir sozinho.
Mas ela servia seu prato e se senta à mesa, a cozinha estava à meia luz, graças a um abajur velho e sem cor que piscava tirando-lhe a atenção (as velas não se acendiam lá), poderia apagar a qualquer momento. E ela gostava desse risco, esse abajur imitava a vida, era talvez uma representação de que até o que não precisa de pilha acaba: sem razão, sem justiça, como se tivesse feito o seu “papel” (acender e apagar). E como tudo na vida, ele se apagou de repente, demente.
Pensando na morte, resolveu jantar às escuras. Um jantar romântico. Imaginava jantando a dois, seu peito inchava de ar, mas algo lá dentro veio ao jantar, ela o estava esperando. Sentou-se à mesa e emprestou sua chama às velas. O ar ficara terno e brando como ela nunca havia experimentado, e ela soltara um sorriso que pareceu tornar toda a cidade mais bela.
Ela se apaixonara por esta coisa que lhe saíra, e já não era mais só naquela mesa, naquela vida.


Guilherme Fontoura.

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